sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Quando a forma esconde o conteúdo: filosofia não é charlatanismo!

O modo de exposição de uma pesquisa, a dimensão estética da escrita, é sempre uma relação posta entre forma e conteúdo. Ser relação posta configura ser sempre expressão de intencionalidade político-social do pesquisador, do autor, do artista. O conteúdo, por outro lado, é relação causal da materialidade ôntica e da forma fenomênica, expressão homogeneizada do momento real heterogêneo pela apreensão ideal da ciência ou da arte. Em suma, na relação posta entre conteúdo e forma, é papel desta última possibilitar o desvendamento consciente ao leitor.

Entretanto, principalmente em pesquisas na filosofia da Educação Matemática, a forma tem se configurado como espaço de obscurecimento do conteúdo, se não mais, tentativa de ocultar um conteúdo inexistente. Entre "narrativas" e "pensar pensamentos" a forma toma a forma de charlatanismo.

Em muitas narrativas as formas forçadas são explorada de maneira a dar senso estético a uma obra de conteúdo aligeirado. Entre poemas, poesias e cartas busca-se expressar na forma a impossibilidade de apreender o conteúdo. Ergo-me em defesa das narrativas: pesquisas narrativas não são bagunça para dar voz a qualquer modismo estético da banalização; poemas, narrativas, poesias e cartas/epístolas são resultado de um processo doloroso de assimilação e refinamento da objetividade a partir da subjetividade do autor. Ergo-me em defesa da narrativa: narrar não é descrever, poema não é só rima, carta não é só contar: a estética é mais que a forma. Paremos de banalizar nossas pesquisas narrativas!

Que vem a ser a afirmação "pensar o pensamento" se não o uso do pleonasmo para expressar todas as multiplicidades de uma sociedade fragmentada pelo Capital que se ergue contra a dualidade totalitária de Marx? Deleuze e Guatari, Derrida e Lyotard, ora pois ixtepô diria o manezinho da ilha: mais difícil de decifrar que o dialeto açoriano ouvido pela primeira vez. O abuso da forma é para esconder a inexistência de um conteúdo transformador. É para procurar no âmbito do discurso expressar uma radicalidade que não se exerce na prática: Argélia que o diga! Franceses que se negaram a lutar contra o colonialismo, mas que se colocam como baluarte contra toda forma de autoritarismo. Anarquistas liberais e individualistas, detratores da história de toda a humanidade. Que me perdoem, mas enquanto viver, o charlatanismo que se põe como filosofia sempre será denunciado!

sexta-feira, 27 de julho de 2018

A Lei do Retorno: na direção das pazes com a Matemática

As últimas semanas de pesquisa tem sido altamente 'gostosas'. Preocupado com a emergência da educação matemática como complexo do ser Social tenho estudado a Matemática propriamente dita com uma profundidade anteriormente nunca feita. E é isso que tem sido particularmente gostoso. Perceber que os jargões de que a "matemática basta por si mesma" e que goza de "grande autonomia" frente a materialidade, e ao mesmo tempo, das idiotices dos materialistas mecanicistas que procuram mostrar como a matemática é real a partir dos "usos e aplicações", e que em si ela seja neutra o problema é os que usam dela. Ter que retomar os originais de Cauchy e Weierstrass para discutir as ideias de rigor, verdade, definição, formalização e formalismo acabam esclarecendo em mim coisas que nunca foram bem definidas: "porque o limite e não outra coisa?" "porque os épsilons?".

Por vezes tão preocupado em repetir incessantemente o encontro de épsilons e deltas para demonstrar propriedades, teoremas e lemas de Análise o mais fundamental nunca era respondido: 'mas porque isso?'. Tudo sempre se resolvia com o tratado de que a matemática se basta por si mesmo, e os fundamentos da matemática devem ser aqueles que permitem o eterno repeteco tautológico dos princípios aristótélicos (ironicamente estes fundados na ética grega de base material). Assim, filosofia da matemática seria o "ré": definir da maneira mais clara possível de forma que se crie toda uma estrutura sem contradições e erros em suas lógicas internas. Matemática seria nada mais nada menos que pura tautologia e sua relação com a realidade uma questão normativa.

E é aqui que retorno a Cauchy e Weierstrass, e muitos outros de seu tempo, indivíduos capazes de sintetizar em suas ideias movimentos de toda uma totalidade social, nesse caso, para o desenvolvimento do complexo da matemática e da própria educação matemática. Não podemos esquecer que os trabalhos de Cauchy eram para "ensinar" de maneira menos 'obscura'.

Em suma, não há como estudar a gênese da matemática sem a gênese do complexo da educação matemática. Por mais que tenham objetos diferentes, dadas suas funções sociais contraditórias: os dois complexos exercem função de reprodução do ser social, mas de formas diferentes, o primeiro na produção do modelo matemático como ser da matemática, e o segundo na materialização desse modelo como parte cultural do ser Social.

Parece que realmente tenho aprendido e apreendido matemática de verdade. E pelos céus ela não é pura tautologia.

Me reconcilio gradativamente com este campo do saber, a matemática, e pareço provar sempre mais que o problema não é saber em si, no seu ser-propriamente-assim, mas a comunidade profissional que se põe como detentora desse saber. Faço as pazes com as noites viradas, com os ataques de pânico e as crises de ansiedade, faço as pazes com as taquicardias e os péssimos gostos das minhas vestimentas. O saber matemático não tem em si culpa do que fazem para ensiná-lo, mas isto não quer dizer que no seu em-si ela seja neutra.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

GLOSAS CRÍTICAS A MATEMÁTICA BÁSICA E SUPERIOR (Parte I)

Movimentos Introdutórios da Crítica

A importância da Matemática na sociedade justificada pelo slogan da “matemática está em toda parte” nunca realmente me convenceu. Respostas curtas para perguntas complexas sempre acomodam graus de fanatismo, dogmatismo e idiotia. Aliás, uns dos aspectos marcantes na “comunidade de matemáticos” é a mediocridade dominadora de extrapolar as barreiras da linguagem matemática para o social/educacional/político, não por acaso é esta comunidade que estipula que a matemática é importante porque está em toda parte. Lákatos em Ciencias, Matemáticas y Epistemologia deixou claro que a filosofia sem a ciência é inócua, e a ciência sem a filosofia é infértil. Minha intenção nessa ação de glosar criticamente nossos ambientes matemáticos e de comunidade é de trazer um pouco da fertilidade da filosofia para o nosso terreno.

Se a matemática está em toda parte, cabe a pergunta “porque está ela em toda parte?”, o que lhe garante esse ar de superioridade, confiabilidade e reprodutividade e quais as consequências, científicas e sociais, destas imperativas constatações?

Skovsmose em suas inúmeras contribuições filosóficas sobre o ensino da matemática sempre pontua que a mesma atua na educação de jovens, crianças e adultos nos ambientes de aprendizagem como um filtro social, seja por se comportar como a disciplina mais odiada, menos entendida e mais cobrada, seja pelos seus usos cotidianos apresentados sob uma ideologia de certeza, na qual lhe é garantida toda a confiabilidade social, ao ponto de esta ser estimada como neutra e sem sentido material (como uma ciência ideal, pura e platônica). Se por um lado a sua apresentação idealista e purista contribui para um distanciamento educacional da disciplina (ódio, reprovações, medos), a matemática tomada sob rumos de neutralidade científica estimula a formação de homens e mulheres que não se apropriaram da mesma para suas atividades reflexivas na sociedade.


Mais do que isso é preciso que compreendamos que a linguagem matemática e seus sistemas de comprovação e cálculo estimulam determinada forma de pensar, isto é, contém em si um caráter formatador influenciado pelas maneiras como afetivamente os estudantes percebem a disciplina. Em outras palavras, uma educação matemática tradicional voltada para a neutralidade e a apresentação da disciplina como algo doloroso, difícil e puro contribui para a formação de um pensamento lógico técnico desprovido de análises sobre o que se está a fazer. Tal forma de ensinar e educar matemática formatará um modo único de fazer matemática: irracional para tudo que não é matemática, movido pelas idiotias e mediocridades do intelecto humano do senso comum, a dominadora maioria nos ambientes de matemáticos.

Suas imbricações (da matemática) com a tecnologia nos remontam a questionar que influências a tecnologia terá sobre as maneiras como enxergamos, trabalhamos e pensamos. De maneira semelhante, os usos da tecnologia, seja no ensino da matemática ou na aplicação, implicam em formatações acríticas quando a concebemos sob patamares de neutralidade e pureza. Mais do que castrar possibilidades intelectuais emancipadoras, a tecnologia e a matemática dominadas pela ideologia da certeza, propiciarão não apenas um novo modelo de pensar, mas um novo modelo de se organizar socialmente. A tecnologia não será apenas usada de maneira acrítica pelas mulheres e homens que a detiverem em uso (pois muitos não as detém!!), mas suas relações serão manipuladas a partir da maneira como esta tecnologia foi construída se utilizando dos conhecimentos científicos e humanos.

Isto é, a matemática assim como a tecnologia, não perdem sua neutralidade apenas nos usos que se fazem dela, mas principalmente devido as condições materiais e subjetivas pelas quais foram construídas: a efetividade de uma bomba em explodir é extremamente superior a efetividade do ato de querermos a usar como um vaso de flor, porque as condições materiais e subjetivas de quem a projetou são mais determinantes que os usos que faremos dela.

Não há hoje como pensar uma educação matemática, um currículo de matemática, sem pensar em suas imbricações sociais e tecnológicas. Mais do que isso, se faz necessário uma crítica radical as maneiras pelas quais são conduzidos tais cursos, de que maneira são produzidos e apropriados tais conhecimentos, e principalmente, os fazer sob um ponto de vista de classe e de crítica da sociedade dada.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Carta ao Camarada Lakatos: Quando terminar a faculdade eu vou estudar

 “A filosofia sem a ciência é inócua,
a ciência sem a filosofia é cega”
Imre Lakatos


Caro camarada,

Entrei na Universidade com duas ilusões. A primeira era que fazendo Matemática poderia perceber as melhores formas de compreender a natureza, a sociedade e o mundo; apesar de muito ampla é bastante insuficiente. A segunda que no ambiente universitário encontraria um acesso claro as mais diferentes formas de cultura, arte, debate e ideias, e mais especificamente, seria incentivado a isso por aqueles que poderiam ser meus mentores; o ambiente universitário é dotado de tamanha capacidade repressora, que até as mais brilhantes mentes tendem a perder sua fertilidade e criatividade.

Acreditava que para entender filosofia deveria cursar filosofia, para entender economia deveria cursar economia. Acabei por cursar Matemática. Isso não faz o menor sentido, a noção de que a formação de uma pessoa deva ser específica é um dos grandes freios da ciência atualmente, e sob ele reside aquilo que entendo como a hipocrisia acadêmica. Tal hipocrisia reside em todo o processo educacional e de produção do conhecimento científico. Por exemplo, a suprema maioria da academia das ciências naturais afirma que para um avanço nas ciências brasileiras é necessária uma transformação na base de nosso processo de ensino, a educação infantil e básica. E muitos educadores, dos tradicionais aos mais progressistas dão suas explicações e ideias para essa transformação, aos tradicionais é necessária uma forma de educação familiar mais forte, para os progressistas uma participação do Estado mais presente. Para as famílias é preciso que se invista mais em educação, para o Estado que os professores se formem de forma melhor, e para o Ensino Superior professores melhores necessitam de uma base de ensino melhor. Essa é a hipocrisia acadêmica, é a crítica irresponsável aonde cada qual percebe as fragilidades do campo alheio.

Não há vício maior do que a mesma hipocrisia, pois ela induz ao universo científico tal necessidade, e se confunde com ele, ao ponto de qualquer divergência ser perseguida com formas punitivas. Em um ambiente que corrompe a criatividade a única forma de manter a produção é pela pressão, pela perseguição e ameaça. Enquanto as diretrizes sobre extensão universitária são vagas, as punições são severas e claras (frequência, sistemas de aulas, documentos e relatórios burocráticos...). A excelência científica é confundida com a produção constante, o ócio é nada mais que a constatação da vagabundagem. Esse senso comum apenas é seguido por que todos o repetem, é nessa repetição por pressão e perseguição que está a sua existência. O senso crítico se tornou apenas parte léxica de trabalhos acadêmicos.

Em um universo científico corrompido pela forma acadêmica de fazer ciência, não surpreende que senso crítico seja apenas um espantalho linguístico. Senso crítico não é uma mera opinião, é um ato de subversão consciente a obediência existente, mas como existe a possibilidade do senso crítico se se quer é do conhecimento dos acadêmicos a sua obediência a algo? Todo processo de subversão consciente é um processo de obediência, primeiro porque subverte uma lógica em favor de outra, a qual estão delimitados princípios claros, isto é, convicções. Nesses aspectos como poderia haver senso crítico se sequer sabe-se por quais convicções está se a trabalhar, produzir e estudar?

O cientificismo configurado como esse processo de crença na organização científica atual sem senso crítico é nada mais que uma das formas de religião e dogma do ambiente acadêmico, e que favorece a compreensão da hipocrisia que assola a produção do conhecimento humano.

Existe lugar para muita coisa na Universidade, mas tenho enfrentado dificuldades em conseguir estudar. Seguir carreira acadêmica em uma área como a matemática está desestimulante, não quero ser mais um caça editais do CNPq, hoje é a única coisa que sei sobre meu futuro.

Ah! Grande comunista Lakatos, quando percebo ao meu redor o que mais vejo são cegos.

Abraços!

Guilherme Wagner

Florianópolis, 22 de setembro de 2014.

domingo, 10 de agosto de 2014

Nós não precisamos de professores milagreiros!

Não! De forma alguma! Nós não precisamos de professores milagreiros, aqueles que com pouco material didático, com escolas caindo em pedaços e com um salário baixo e desvalorização da carreira fazem milagres nos processos de ensino-aprendizagem: conseguem ensinar e aprender trabalhando 60 horas semanais, mas recebendo apenas por 40 horas. Ou não deveríamos precisar.

Nós não precisamos de professores excepcionais, nós não precisamos de professores que dão a vida para melhorar algo que está imensamente ruim. Ninguém deveria ter que pagar com o seu projeto de vida a melhora de outras vidas. Mas é isso que a meritocracia defende, é isso que a meritocracia impõe.

A lógica linear de que se o professor é bom, ele forma bons estudantes e assim bons políticos que aumentarão o seu salário é uma mentira. Uma mentira contada aos quatro cantos como se fosse verdade. Isso não tem nada a ver com formação de vontade política. Nossos políticos tiveram os melhores professores, das melhores escolas, com as melhores universidade e isso nunca fez nada mudar. A verdade é que a vontade política faz parte de um direção política da sociedade.

Essa direção política determina que nossos futuros trabalhadores (estudantes) tenham uma educação mínima, técnica e estejam despossuídos do conhecimento rigoroso e mais alto. Essa direção política determina que para que esses trabalhadores possam ser explorados com maestria, devem antes ser explorados aqueles que os formam: os professores.

Isso não é uma questão puramente individual, de bons e maus professores, porque os processos de aprendizagem e ensino superam as relações interpessoais, e se chocam nas relações interssociais. Isto é, adquirimos a maioria de nossos conhecimentos não na relação professor-estudante, mas sim na relação professor-estudante-sociedade.

E dado que nossa sociedade acumula contradições, contradições essas que criam e mantem elites, e propagam a miséria intelectual e social para os setores majoritários de nossa sociedade (os trabalhadores, que vendem seu tempo para um patrão, ou mais de um), o "verdadeiro" mestre é aquele que antes de ensinar as matemáticas e as ciências ensina a lutar. O "verdadeiro" mestre é aquele que mostra a seus estudantes que lutar é preciso, que o importante é estar lado a lado com os explorados.

O "verdadeiro" mestre é aquele que se lança nas greves contra os governos, defende a educação pública de qualidade e luta contra a privatização do ensino público.

O "verdadeiro" mestre não precisa fazer milagres, ele só precisar ser humano.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O academicismo e a esquerda


A academia

A algum tempo escrevi sobre o Estado de maneira didática em que o concebi como um emaranhado de instituições e não como uma estrutura acima de qualquer instituição¹. Isto é, a destruição do capital é a destruição do Estado concomitantemente, pois o mesmo não é apenas uma arma de domínio de uma classe sobre outra, ele é a caracterização total de todas as relações sociais entre dominadores e dominados, entre explorados e exploradores². Então qualquer estratégia que procure a conquista do poder político³ é nada mais que a troca de elites, e como bem dizia Marx, uma elite apenas luta para substituir a existente ou mesmo aniquilá-la. Sob tais aspectos básicos é fácil fundamentar erros da estratégia leninista. A intenção aqui não é caracterizar de modos gerais a estratégia de revolução leninista, mas sim sobre uma parte específica do atual Estado existente para silenciar os intelectuais dos oprimidos e explorados: a academia.
A academia é o espaço aonde se produz a intelligentsia4 capitalista. Para entendermos esse processo é necessário que entendamos um pouco da dialética de dominação existente na sociedade capitalista atual, aonde o processo não mais é de um proprietário privado dos modos de produção, mas falamos de vários proprietários donos de pequenas ações geridas a partir de uma nova classe interna de capitalistas, os gestores. Tal classe é a intelligentsia capitalista, pois é ela que facilita e domina os processos de interação entre as diversas instituições e, portanto, atualmente são responsáveis pela manutenção do status quo. São os teóricos e gestores da dominação das elites.
Assim podemos entender a academia como um espaço importante para a formação das elites futuras, não obstante percebemos essas interações na sua própria forma de agir. A academia é financiada por governos, por empresas, tem regras próprias e um linguajar próprio, e detém a hegemonia do conhecimento humano. E como toda instituição capitalista detém contradições sob as quais também produz setores subversivos e que procuram romper com a mesma, mas tais setores são minorias e, caso radicalizem suas posições, são sumariamente expulsos.

Da prática acadêmica ao academicismo de esquerda

Vale a pergunta, é a academia um espaço tático importante para a luta de emancipação do explorados e oprimidos? Como limitar os aspectos dessa tática?
Quando do início das lutas proletárias nos anos 1840 a nova classe de explorados, o proletariado, não era considerada uma classe política dentro das instituições, pois não detinha de forças de “barganha” para conquistas sociais dentro das instituições existentes. Todo o processo subsequente, de formações das sociedades de resistência, a AIT, os partidos comunistas foram lutas do proletariado para a sua emancipação, e finalizaram-se no empoderamento do proletariado como uma classe política dentro das instituições capitalistas. Esse processo de transformação de uma classe sem poder político em uma classe política veio acompanhada de processos de recuperação5 das então organizações proletárias, isto é, para o empoderamento da classe dentro da sociedade capitalista eram necessárias a criação de instituições para tal empoderamento, assim se legalizaram os partidos sociais-democratas e os sindicatos, e como novas instituições capitalistas se baseavam no uso das mesmas armas do Estado (burocracia, autoritarismo, hierarquia, cristalização de elites) para o engessamento de qualquer processo político que viesse a destruir o Estado e o Capital. Isto é, estava claro, partidos sociais-democratas e sindicatos se tornaram forças contrarrevolucionárias.
A academia aparece com uma característica semelhante, no entanto se foca nos chamados intelectuais orgânicos de Gramsci, ou minoria ativa para alguns anarquistas. Todo processo de lutas é também um processo de formação de vanguardas, não importa o nome que se dê a essa vanguarda, a sua relação dialética e sua formação a partir dos movimentos é da mesma forma, pois sempre existe aquele mais solicito, mais falador, com mais recursos, com mais tempo, etc. Tal vanguarda em suma é quem acumula poder dentro da instituição capitalista, e a sua recuperação, isto é, a sua cristalização é importantíssima à classe dominante para que um processo de luta não se torne em um movimento de contestação e mais radicalizado. Isto é, surge uma segunda função da academia nesse momento. Enquanto analisada pelo viés do dominador ela forma a intelligentsia capitalista, no viés da classe política do proletariado ela procura empoderar e cristalizar uma vanguarda de luta dos explorados e oprimidos, isto é, ela se torna uma porta de passagem para a transformação de uma vanguarda em uma nova elite. Aqui a academia se responsabiliza por um processo de cristalização de vanguardas.
No entanto quando da não-existência da possibilidade de inserimento de um vanguarda na academia para a sua cristalização ou por falhar nessa tentativa, visto que a mesma detém de limites dentro do Estado, a mesma se preocupa em uma terceira função, a do silenciamento das vanguardas dos oprimidos e explorados. É aqui que se concentra o academicismo de esquerda.

A cristalização das vanguardas e a formação de uma nova elite
Podemos6 situar a iniciativa desse processo com os marxistas legais na Rússia antes de 1905, em que em oposição ao bakuninismo radical de rejeição total ao Estado os mesmos surgem com ideias mais apaziguadoras com relação a isso. No entanto a sua intensificação acontece mais poderosamente (no contexto de lutas anticapitalistas) com a subida ao poder do partido bolchevique, e mais especificamente com as doutrinas da Internacional Comunista Stalinista. Para o Estado soviético a academia se tornou parte fundamental no processo de planejamento da economia planificada e das relações institucionais. Isto é, apesar das tentativas, os conflitos entre os gestores e os proletários foram se intensificando, e a academia se tornou arma poderosa nas mãos dos gestores dentro do capitalismo de Estado soviético, para que os poderes delegados aos proletários braçais nas fábricas e no campo fossem ou silenciados ou recuperados a academia era parte importante de todo o processo.
O processo de formação de um nova elite, ou melhor dizendo de uma “aristocracia proletária”, perpassa por três momentos principais individuais e coletivos. O individual se caracteriza pela elitização da vanguarda a uma classe dominante e o coletivo a ideologização dessa nova vanguarda enquanto classe como uma forma de poder proletário. Assim academia assume dois papeis dialéticos e fundamentais nesse processo, enquanto transforma socialmente (materialmente e objetivamente) uma vanguarda em uma elite (gestores), ao mesmo tempo ilude (construção da ideologia do Estado Proletário) a base sob a perspectiva de que o que acontece é um maior poder do proletariado nas instituições, isto é, a justificativa que com isso estava se combatendo a divisão do trabalho braçal e mental, e ao mesmo tempo formando instituições proletárias e comunistas.
O primeiro momento individual na cristalização da vanguarda pela academia se dá pelo empoderamento do mesmo dentro de um ambiente já elitizado que é a academia, ao qual o mesmo tem direito a voz e expressão através de interlocutores (os acadêmicos), a citar as pesquisas científicas. O segundo momento é quando o mesmo passa por um processo de internalização do sistema acadêmico passando assim a se utilizar de uma linguagem nova, aperfeiçoada de acordo com as normas internas, é o processo no qual a vanguarda é formada, treinada. O terceiro momento é dado pela inserção da vanguarda dentro desse ambiente, passando então a fazer parte de uma instituição capitalista com formas e relações próprias, aqui a vanguarda se cristaliza.
Quando analisamos coletivamente esse momentos percebemos que ao primeiro passo o coletivo se ilude com o fato de estar sendo empoderado dentro de uma instituição elitizada do capital, isto é, o mesmo se sente politicamente mais poderoso. O segundo momento o mesmo se ilude com o fato de que considerando que essa instituição detém da hegemonia do conhecimento o coletivo possa aprender muito com ela. O terceiro e último momento, é quando após a formação da vanguarda a mesma é tida como superior ao coletivo, a personalização do movimento coletivo no entanto mais consciente e sábia. Isto é, nesse momento o coletivo concebe a vanguarda formada como aqueles que melhor sabem os caminhos que o movimento deve tomar. É a cristalização da vanguarda pelo coletivo, a eternização da vanguarda pelo coletivo.
O passo subsequente a esses três é a morte e o nascimento. É a cisão dos dois, e a destruição do movimento. Nesse momento a vanguarda se torna elite, e o movimento se potencializa apenas historicamente na vanguarda que estava cristalizada. Isto é, a anterior personalização do movimento pela academia, recuperou o movimento, retirou-lhe o caráter de contestação e o inseriu como apenas outro conhecimento acadêmico. É a morte do movimento como luta do oprimido e explorado, a transformação da vanguarda em elite.
Assim percebemos que um movimento sempre influencia e é influenciado pela sociedade, e ao mesmo tempo a cristalização da vanguarda ocorre pois houve permissividade da base para que isso acontecesse. Não existem culpados morais, existem processos dialéticos e históricos que recuperam lutas sociais, a academia é apenas uma instituição voltada para parte do movimento.
Esse processo se repete nos movimentos de luta sul-americanos com diferenças sutis na caracterização dos momentos, mas com um método semelhante chegamos as mesmas conclusões. Das mesmas formas podemos perceber o que significa as vanguardas do movimento negro assumindo ministérios e secretarias, ou sindicalistas assumindo pastas no governo, ou mesmo a eternização das direções sindicais e partidárias.

O academicismo de esquerda

Como já explicado, a academia concentra suas forças de recuperação nas vanguardas dos movimentos, mas isso não a dissocia do coletivo. Isto é, todo processo de recuperação de vanguardas é um processo de recuperação de movimentos. Uma coisa não implica a outra, elas são dialéticas, assim como são as instituições que as recuperam. Isto é, o processo de recuperação do movimento está dialeticamente ligado ao processo de cristalização das vanguardas, da mesma forma que a instituição academia (onde se cristaliza a vanguarda) está dialeticamente ligada a instituição que recupera o movimento (sindicatos, ministérios, etc). Todo processo de recuperação é um processo dialético das relações sociais na sociedade capitalista.
Agora o debate se concentra sobre quando não existem as possibilidades da vanguarda ser cristalizada pela academia, a citar quando a mesma não consegue passar em vestibulares, não tem condições materiais de se manter ou mesmo não é aceita. Nesse momento parece que a academia falha na cooptação das vanguardas, mas não. Quando não se pode cristalizar a vanguarda a consolidando como uma elite acadêmica, utiliza-se da elite acadêmica resultante da cristalização de vanguardas anteriores para silenciar as novas. Isto é, a academia se insere nos movimentos sob a perspectiva de silenciar suas vanguardas. São os chamados cursos, encontros e seminários. Nessa prática a academia, na pessoa dos acadêmicos, se utiliza de toda sua erudição e capacidade subjetiva de sistematização dos pensamentos para projetar o seu poder material e objetivo na subjetividade das vanguardas. Isto é, de fato a academia passa a formar as vanguardas dos movimentos.
É fácil de perceber essas questões quando analisamos os encontros do MST em que os cursos são dados por doutores e acadêmicos, ou os encontros nacionais da CUT, ou do movimento estudantil. A subjetividade dessas vanguardas são tomadas pela projeção da classe acadêmica (gestorial) sobre elas.
O processo de utilização de toda sua erudição para projetar o seu poder material e objetivo sobre as subjetivas das vanguardas, e também das bases, é o que eu chamo de academicismo de esquerda. Um debate distante das lutas enquanto viabilidade de debate das bases.
Não é aqui uma afirmação para o rebaixamento da capacidade de debate do movimento, mas da construção de debates sem a interferência da academia em seu meio. Construção de movimentos autônomos, não somente em palavras, do Estado, mas prática e subjetivamente.

Movimento feminista contemporâneo tem muito a ensinar

Entendo por movimento feminista contemporâneo as teorias interseccionais e abolicionismo de gênero. Esse feminismo colocou em pauta uma questão importante de sua luta, o fato de existirem homens anti-machistas que silenciavam mulheres nos movimentos que deveriam ser para sua emancipação. Isto é, por mais avançada que fosse a consciência do homem ele continuava a querer ser protagonista de uma luta que não cabia a ele. Isto é, o agente de uma instituição por mais consciente que seja acabará sempre silenciando um movimento.
Mas não é apenas isso ao qual devo dar créditos ao movimento feminista por dar-nos um debate de tamanha envergadura, mas em especial a militante do feminismo comunitário Julieta Paredes que no ano de 2013 durante o Fazendo Gênero na UFSC criticou o feminismo brasileiro por se concentrar tanto em aspectos acadêmicos. Olhei para o lado e vi de fato uma maioria acadêmica, olhei os trabalhos apresentados e eram de fato acadêmicas empoderando movimentos, aperfeiçoando a linguagem de resistência desses movimentos de contestação do machismo, patriarcado, para uma linguagem puramente acadêmica. Não cabe a mim debater se Paredes estava correta em sua crítica, no entanto ela me abriu os olhos para um posicionamento crítico com relação a academia, um posicionamento que as feministas acertadamente tinham com homens em seus movimentos.

A academia enquanto tática de luta

Devemos entender que o processo histórico de formação de certas instituições carregam em si sementes importantes para a luta do proletariado. Se de um lado a academia apresenta um caráter contrarrevolucionário a mesma tem conquistas importantes para os processos de lutas, pois tem conseguido aglutinar conhecimentos diversos de maneira mais acessível favorecendo a sua socialização. No entanto isso não deve ser confundido com aspectos da militância de luta. Supor que a academia é um espaço com o qual lutas contra o hegemônico (como supõe certos setores) parece-me um erro tático, dada a poderosa arma de recuperação das vanguardas que a mesma contém. Assim, a academia se torna um instrumento tático dedicado exclusivamente a propaganda política. Não há estrategicamente interesses dentro da academia, apesar da mesma estar ligada muitas vezes (Brasil) aos setores de trabalhadores em educação, mas é preciso que nesse contexto haja uma diferenciação7.
Essa diferenciação deve ser passo fundamental existente já no movimento estudantil, compreender criticamente a academia como uma instituição da contrarrevolução, do silenciamento dos pensadores orgânicos dos movimentos dos explorados e oprimidos, possibilita que o militante estudantil do presente não se torne no acadêmico de sinceridade revolucionária mas prática contrarrevolucionária do futuro. Isto é, a academia é contrarrevolucionária em essência.
Os limites táticos da academia se concentram no seu uso de socialização do conhecimento histórico de lutas e no uso para financiamento de atividades de propaganda política (edição de livros, minicursos, uso de espaços estruturais para encontros de lutas).


NOTAS

  1. Radicalizar para destruir as instituições http://escritosradicaiseutopia.blogspot.com.br/2013/08/radicalizar-para-destruir-as.html >
  2. Idem
  3. Estratégia Revolucionária do PCB, vide https://www.youtube.com/watch?v=g6L0vGmVerY
  4. Intelligentsia capitalista vista em Jan Waclaw Makhaiski
  5. Recuperação é o processo pela qual as instituições capitalista retiram o caráter revolucionário e radical de movimentos e coletivos cooptando-os para a sistemática institucional do Estado e do Capital.
  6. É uma compreensão particular minha.
  7. No Brasil tem-se um caso especial de que o professor universitário é também um elemento da academia, e isso merece atenções especiais para diferenciações necessárias. O artigo pretende centrar-se sob uma crítica de perspectiva do movimento estudantil autônomo.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Entre revertérios e amores, o dilema

 Hoje decidi que o que falarei não será sistematizado, não deverá ser legível ou então compreensível, será apenas o que estiver “à transbordar”. Hoje negarei a mim a autodisciplina que tanto me imponho e que se tornou parte constitutiva do meu ser. Ser, serei, não sei, se pá? Raul dizia que preferia ser uma metamorfose, eu só posso ser uma revertério ambulante. Hoje da 'pura', amanhã da 'aplicada', sábado um pouco da 'educação'. Semana que vem nem matemática mais quererei, será 'comunismos stuffs', será bebidas, será física. Mas será ciência, sempre será.

Na escola me diziam agora aula disso, agora aula daquilo. Na universidade: “Guilherme tens que escolher um dos cursos”, na vida profissional “precisamos que sejas formado no testículo esquerdo, o direito não serve”; “cadê seus certificados?”. Pessoas, porque precisamos dividir? Não gosto da divisão da ciência em ciências, corta a minha criatividade, não deixa que eu interligue questões, impede que eu a ame integralmente. Seres velhos, será que é tão difícil perceber que eu só quero amar a ciência integralmente?

Não boicote a criatividade alheia deveria ser o primeiro mandamento.

Mas esses seres velhos, esses seres velhos que existem em todos os lugares, esses seres velhos que querem manter a “nova” longe deles. Quem são esses velhos? Odeio esses velhos! Odeio ao ponto de temer ser um deles no futuro, de me fechar as novas que me trouxerem coisas novas.


Só queria acordar amanhã e dizer: “Será isso Guilherme!” e poder viver de boa a vida toda, mas esse amor pela ciência me maltrata... Me parece que os velhos são os que deixaram de amar.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Sou vagabundo, drogado e terrorista, mesmo que prove o contrário


Sou vagabundo

Não importa se trabalho formalmente desde os 15 anos, não importa se durante um ano estive envolvido em atividades que alcançavam quase as 60 horas semanais na Universidade, não importa se a argumentação para as mudanças que proponho são pautadas na racionalidade, hombridade e realidade, não importa se na sociedade brasileira apenas 6% detém de propriedades privadas para a produção, não importa se eu queira saúde 100% pública, educação de qualidade e gratuita, não importa se eu lute por essas coisas sem esquecer das minhas responsabilidades. Isso nada importa, o simples fato de eu lutar por mudanças sociais, lutar contra a exploração e as opressões e não temer peitar quem provoca essas agressões tendo a razão, o que importa é que eu estive lutando e querendo mudar, e se eu fiz isso, sou vagabundo. Essa é a definição de vagabundo para quem a vocifera aos estudantes do movimento de ocupação da reitoria.

Sou drogado

Não importa se o meu uso da maconha é absolutamente eventual e aconselhado por especialistas para momentos de alta pressão, não importa se a cannabis é importante e chega a salvar vidas no tratamento de pessoas com esclerose múltipla, casos raros e fortes de epilepsia, glaucoma, pacientes de quimioterapia, fibromialgia, artrite, Alzheimer, AIDS, doença de Chron, fobia social, ansiedade, drogados (pasmem, maconha é usado no tratamento de viciados já que ela praticamente não vicia), não importa se o grande tráfico não é sustentado pelo usuário, mas sim pelos grandes comerciantes de armas, não importa se a ONU recomenda a descriminalização da maconha. O que importa é que é lei, mas não importa se essa lei se mostra na maioria dos casos um absurdo e eu queira debatê-la, não importa se eu queira justificar e argumentar cientificamente, o que importa é que é mais fácil encher o peito e me chamar de drogado e de vagabundo.

Sou terrorista

Não importa se a PM-SP homenageia na sua farda o massacre aos operários que conquistaram a jornada de oito horas diárias em 1917, não importa se a PM-SP se orgulha de serem filhotes de quem massacrou Canudos, não importa se a PM só do estado de São Paulo mata mais que todas as policias do EUA inteiro, não importa que tenha sido provado por A+B que a PM é uma instituição corrupta, que ela participa do tráfico, que ela cria milícias, que ela é seletiva, racista e homofóbica. Não importa que provemos as truculências da ditadura, os casos intermináveis de corrupção, a destruição da educação pública. Não importa se repudiamos o fato de que a militarização impede o policial militar de reivindicar direitos como pessoa civil. Não importa se apresentamos fatos que nos dêem a razão em circunstâncias diversas e extremas, não importa se o copo está meio cheio ou meio vazio, para me criminalizar vão ver que a água não foi bem filtrada e encontrar supostas impurezas, e se necessário for as criando. Não importa que a ditadura tenha acabado no papel, mas que os tanques, o exército e a PM estão entrando em casas sem mandado e a revelia na Maré-RJ. Isso nada importa, foda-se, sou vagabundo e drogado, porque é mais fácil dizer e repetir isso e se for o caso dizer para eu pedir ajuda ao Batman. "Guilherme de presente tome um enquadramento na Lei da Segurança Nacional pra deixar de ser terrorista", porque é assim, se você luta por melhorias e propõem os debates você é automaticamente terrorista.


Sou vagabundo, sou drogado e sou terrorista, e mesmo que prove o contrário, as pessoas não se darão o trabalho de perceber, digo as pessoas que são privilegiadas, porque as desprivilegiadas um dia irão puxar as outras pelo pé e dar uma bela coça, ah darão. Se por todas essas coisas sou considerado vagabundo, drogado e terrorista, isso serei para todo o sempre se assim necessário for.