segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Carta ao Camarada Lakatos: Quando terminar a faculdade eu vou estudar

 “A filosofia sem a ciência é inócua,
a ciência sem a filosofia é cega”
Imre Lakatos


Caro camarada,

Entrei na Universidade com duas ilusões. A primeira era que fazendo Matemática poderia perceber as melhores formas de compreender a natureza, a sociedade e o mundo; apesar de muito ampla é bastante insuficiente. A segunda que no ambiente universitário encontraria um acesso claro as mais diferentes formas de cultura, arte, debate e ideias, e mais especificamente, seria incentivado a isso por aqueles que poderiam ser meus mentores; o ambiente universitário é dotado de tamanha capacidade repressora, que até as mais brilhantes mentes tendem a perder sua fertilidade e criatividade.

Acreditava que para entender filosofia deveria cursar filosofia, para entender economia deveria cursar economia. Acabei por cursar Matemática. Isso não faz o menor sentido, a noção de que a formação de uma pessoa deva ser específica é um dos grandes freios da ciência atualmente, e sob ele reside aquilo que entendo como a hipocrisia acadêmica. Tal hipocrisia reside em todo o processo educacional e de produção do conhecimento científico. Por exemplo, a suprema maioria da academia das ciências naturais afirma que para um avanço nas ciências brasileiras é necessária uma transformação na base de nosso processo de ensino, a educação infantil e básica. E muitos educadores, dos tradicionais aos mais progressistas dão suas explicações e ideias para essa transformação, aos tradicionais é necessária uma forma de educação familiar mais forte, para os progressistas uma participação do Estado mais presente. Para as famílias é preciso que se invista mais em educação, para o Estado que os professores se formem de forma melhor, e para o Ensino Superior professores melhores necessitam de uma base de ensino melhor. Essa é a hipocrisia acadêmica, é a crítica irresponsável aonde cada qual percebe as fragilidades do campo alheio.

Não há vício maior do que a mesma hipocrisia, pois ela induz ao universo científico tal necessidade, e se confunde com ele, ao ponto de qualquer divergência ser perseguida com formas punitivas. Em um ambiente que corrompe a criatividade a única forma de manter a produção é pela pressão, pela perseguição e ameaça. Enquanto as diretrizes sobre extensão universitária são vagas, as punições são severas e claras (frequência, sistemas de aulas, documentos e relatórios burocráticos...). A excelência científica é confundida com a produção constante, o ócio é nada mais que a constatação da vagabundagem. Esse senso comum apenas é seguido por que todos o repetem, é nessa repetição por pressão e perseguição que está a sua existência. O senso crítico se tornou apenas parte léxica de trabalhos acadêmicos.

Em um universo científico corrompido pela forma acadêmica de fazer ciência, não surpreende que senso crítico seja apenas um espantalho linguístico. Senso crítico não é uma mera opinião, é um ato de subversão consciente a obediência existente, mas como existe a possibilidade do senso crítico se se quer é do conhecimento dos acadêmicos a sua obediência a algo? Todo processo de subversão consciente é um processo de obediência, primeiro porque subverte uma lógica em favor de outra, a qual estão delimitados princípios claros, isto é, convicções. Nesses aspectos como poderia haver senso crítico se sequer sabe-se por quais convicções está se a trabalhar, produzir e estudar?

O cientificismo configurado como esse processo de crença na organização científica atual sem senso crítico é nada mais que uma das formas de religião e dogma do ambiente acadêmico, e que favorece a compreensão da hipocrisia que assola a produção do conhecimento humano.

Existe lugar para muita coisa na Universidade, mas tenho enfrentado dificuldades em conseguir estudar. Seguir carreira acadêmica em uma área como a matemática está desestimulante, não quero ser mais um caça editais do CNPq, hoje é a única coisa que sei sobre meu futuro.

Ah! Grande comunista Lakatos, quando percebo ao meu redor o que mais vejo são cegos.

Abraços!

Guilherme Wagner

Florianópolis, 22 de setembro de 2014.

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