Sou vagabundo
Não importa se trabalho formalmente desde os 15 anos, não importa
se durante um ano estive envolvido em atividades que alcançavam
quase as 60 horas semanais na Universidade, não importa se a
argumentação para as mudanças que proponho são pautadas na
racionalidade, hombridade e realidade, não importa se na sociedade
brasileira apenas 6% detém de propriedades privadas para a produção,
não importa se eu queira saúde 100% pública, educação de
qualidade e gratuita, não importa se eu lute por essas coisas sem
esquecer das minhas responsabilidades. Isso nada importa, o simples
fato de eu lutar por mudanças sociais, lutar contra a exploração e
as opressões e não temer peitar quem provoca essas agressões tendo
a razão, o que importa é que eu estive lutando e querendo mudar, e
se eu fiz isso, sou vagabundo. Essa é a definição de
vagabundo para quem a vocifera aos estudantes do movimento de
ocupação da reitoria.
Sou drogado
Não importa se o meu uso da maconha é absolutamente eventual e
aconselhado por especialistas para momentos de alta pressão, não
importa se a cannabis é importante e chega a salvar vidas no tratamento de
pessoas com esclerose múltipla, casos raros e fortes de epilepsia,
glaucoma, pacientes de quimioterapia, fibromialgia, artrite,
Alzheimer, AIDS, doença de Chron, fobia social, ansiedade, drogados
(pasmem, maconha é usado no tratamento de viciados já que ela
praticamente não vicia), não importa se o grande tráfico não é
sustentado pelo usuário, mas sim pelos grandes comerciantes de
armas, não importa se a ONU recomenda a descriminalização da
maconha. O que importa é que é lei, mas não importa se essa lei se
mostra na maioria dos casos um absurdo e eu queira debatê-la, não
importa se eu queira justificar e argumentar cientificamente, o que
importa é que é mais fácil encher o peito e me chamar de drogado e
de vagabundo.
Sou terrorista
Não importa se a PM-SP homenageia na sua farda o massacre aos
operários que conquistaram a jornada de oito horas diárias em 1917,
não importa se a PM-SP se orgulha de serem filhotes de quem
massacrou Canudos, não importa se a PM só do estado de São Paulo
mata mais que todas as policias do EUA inteiro, não importa que
tenha sido provado por A+B que a PM é uma instituição corrupta,
que ela participa do tráfico, que ela cria milícias, que ela é
seletiva, racista e homofóbica. Não importa que provemos as
truculências da ditadura, os casos intermináveis de corrupção, a
destruição da educação pública. Não importa se repudiamos o
fato de que a militarização impede o policial militar de
reivindicar direitos como pessoa civil. Não importa se apresentamos
fatos que nos dêem a razão em circunstâncias diversas e extremas,
não importa se o copo está meio cheio ou meio vazio, para me
criminalizar vão ver que a água não foi bem filtrada e encontrar
supostas impurezas, e se necessário for as criando. Não importa que a ditadura tenha acabado no papel, mas
que os tanques, o exército e a PM estão entrando em casas sem
mandado e a revelia na Maré-RJ. Isso nada importa, foda-se, sou
vagabundo e drogado, porque é mais fácil dizer e repetir isso e se for o caso dizer para eu pedir ajuda ao Batman. "Guilherme de
presente tome um enquadramento na Lei da Segurança Nacional pra
deixar de ser terrorista", porque é assim, se você luta por
melhorias e propõem os debates você é automaticamente terrorista.
Sou vagabundo, sou drogado e sou terrorista, e mesmo que prove o
contrário, as pessoas não se darão o trabalho de perceber, digo as
pessoas que são privilegiadas, porque as desprivilegiadas um dia
irão puxar as outras pelo pé e dar uma bela coça, ah darão. Se
por todas essas coisas sou considerado vagabundo, drogado e
terrorista, isso serei para todo o sempre se assim necessário for.

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