quinta-feira, 3 de abril de 2014

Sou vagabundo, drogado e terrorista, mesmo que prove o contrário


Sou vagabundo

Não importa se trabalho formalmente desde os 15 anos, não importa se durante um ano estive envolvido em atividades que alcançavam quase as 60 horas semanais na Universidade, não importa se a argumentação para as mudanças que proponho são pautadas na racionalidade, hombridade e realidade, não importa se na sociedade brasileira apenas 6% detém de propriedades privadas para a produção, não importa se eu queira saúde 100% pública, educação de qualidade e gratuita, não importa se eu lute por essas coisas sem esquecer das minhas responsabilidades. Isso nada importa, o simples fato de eu lutar por mudanças sociais, lutar contra a exploração e as opressões e não temer peitar quem provoca essas agressões tendo a razão, o que importa é que eu estive lutando e querendo mudar, e se eu fiz isso, sou vagabundo. Essa é a definição de vagabundo para quem a vocifera aos estudantes do movimento de ocupação da reitoria.

Sou drogado

Não importa se o meu uso da maconha é absolutamente eventual e aconselhado por especialistas para momentos de alta pressão, não importa se a cannabis é importante e chega a salvar vidas no tratamento de pessoas com esclerose múltipla, casos raros e fortes de epilepsia, glaucoma, pacientes de quimioterapia, fibromialgia, artrite, Alzheimer, AIDS, doença de Chron, fobia social, ansiedade, drogados (pasmem, maconha é usado no tratamento de viciados já que ela praticamente não vicia), não importa se o grande tráfico não é sustentado pelo usuário, mas sim pelos grandes comerciantes de armas, não importa se a ONU recomenda a descriminalização da maconha. O que importa é que é lei, mas não importa se essa lei se mostra na maioria dos casos um absurdo e eu queira debatê-la, não importa se eu queira justificar e argumentar cientificamente, o que importa é que é mais fácil encher o peito e me chamar de drogado e de vagabundo.

Sou terrorista

Não importa se a PM-SP homenageia na sua farda o massacre aos operários que conquistaram a jornada de oito horas diárias em 1917, não importa se a PM-SP se orgulha de serem filhotes de quem massacrou Canudos, não importa se a PM só do estado de São Paulo mata mais que todas as policias do EUA inteiro, não importa que tenha sido provado por A+B que a PM é uma instituição corrupta, que ela participa do tráfico, que ela cria milícias, que ela é seletiva, racista e homofóbica. Não importa que provemos as truculências da ditadura, os casos intermináveis de corrupção, a destruição da educação pública. Não importa se repudiamos o fato de que a militarização impede o policial militar de reivindicar direitos como pessoa civil. Não importa se apresentamos fatos que nos dêem a razão em circunstâncias diversas e extremas, não importa se o copo está meio cheio ou meio vazio, para me criminalizar vão ver que a água não foi bem filtrada e encontrar supostas impurezas, e se necessário for as criando. Não importa que a ditadura tenha acabado no papel, mas que os tanques, o exército e a PM estão entrando em casas sem mandado e a revelia na Maré-RJ. Isso nada importa, foda-se, sou vagabundo e drogado, porque é mais fácil dizer e repetir isso e se for o caso dizer para eu pedir ajuda ao Batman. "Guilherme de presente tome um enquadramento na Lei da Segurança Nacional pra deixar de ser terrorista", porque é assim, se você luta por melhorias e propõem os debates você é automaticamente terrorista.


Sou vagabundo, sou drogado e sou terrorista, e mesmo que prove o contrário, as pessoas não se darão o trabalho de perceber, digo as pessoas que são privilegiadas, porque as desprivilegiadas um dia irão puxar as outras pelo pé e dar uma bela coça, ah darão. Se por todas essas coisas sou considerado vagabundo, drogado e terrorista, isso serei para todo o sempre se assim necessário for.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

A necessidade de uma educação matemática crítica


Matemática: disciplina do contexto escolar mais temida pelos estudantes. Mas podemos considerá-la como uma forma de conhecimento técnico inerte as relações sociais, inócua perante a capacidade/necessidade humana de emancipação? Porque a mesma é endeusada por tantos setores? Quais as implicações dessa forma de trabalhar intelectualmente e praticamente com a matemática na sociedade? Por que uma educação matemática crítica?

Não podemos negar o caráter ideológico¹ que a tecnologia, e por consequente a matemática, exprime dentro das relações sociais (econômicas, políticas, culturais). Isto é, a crença na neutralidade que a tecnologia desempenha frente as relações que se organizam socialmente é ideológica por mascarar às classes exploradas quem domina a tecnologia, quem a conhece, quem a produz e porque a produz. Isso transita diretamente para as questões relacionadas ao conhecimento matemático, visto que a sociedade é absolutamente matematizada e o desconhecimento ou estranhamento das classes exploradas e oprimidas frente a ela possibilitam um maior controle dos capitalistas sobre as mesmas. Em resumo, na sociedade atual de caráter tecnológico e matematizada o conhecimento da matemática enquanto ciência e técnica exprimem relações de poder entre as classes que formam a pirâmide social. Assim de forma algumas podemos considerar uma neutralidade da matemática nas relações sociais, pois ela expressa poder, dominação e exploração.

Este pensamento hegemônico surge de uma época profundamente platônica, e que irá se refletir mais fortemente com o surgimento do idealismo burguês. Os primeiros princípios escritos sobre a lógica matemática, sobre a própria matemática em quesitos de abstração foram feitas por pessoas como Galileu e Descartes que acreditavam fortemente na existência de um Deus, e assim promulgavam a ideia de que a mesma seria em algum momento algo transcendental ao mundo e um caminho de aproximação com a divindade suprema. Considerando que a matemática não apresentou (ao menos ao meu conhecimento atual) um pensamento contra-hegemônicos dessas tendências idealistas e desligadas da materialidade, é mister compreender que a matemática como relação fundamental da hierarquia do poder do Estado e do capital toma uma importância fundamental. Isto é, todas as colocações anteriores de entender a matemática como passo fundamental na ideologização das relações sociais decorrem de um movimento histórico e dialético desde a fundamentação dos seus primeiros pilares com os platonistas durante a Idade Média. Não é minha intenção aqui apresentar profundamente como esses processos se deram, pois o artigo tem como objetivo delinear o porque da necessidade de uma educação matemática crítica.

Nesses aspectos colocados percebemos uma educação matemática sustentada sobre o poder de dominação exemplificada em listas e listas de exercícios apresentadas como ordens ao estilo “calcule”, “efetue”, “resolva”, conjuntamente a um entendimento da própria matemática como fechada em si, desligada da materialidade, e apenas passível de aplicação à mesma, isto é promulgando uma ideologia da certeza de que a matemática é infalível, pura e verdadeira sob todos os aspectos, aonde a própria forma de “falar” matemática se desencaixa dos preceitos da realidade e se encaixam em uma possibilidade de um mundo platônico, de um mundo das ideias dissociado de onde vivemos. Entendemos que todos esses movimentos se manifestam na reprodução do status quo, e fortificam a cada momento as relações de dominação e exploração existentes na sociedade visto que a mesma sociedade fortemente matematizada educa para a alienação completa das pessoas sobre suas relações humanas.

Constatada a existência dessa relação entre a matemática/educação matemática com as relações sociais de dominação e exploração que impedem a formação e a emancipação da humanidade, a elaboração de uma educação matemática crítica sensível a esses problemas se torna não apenas um comprometimento claro na imediata democratização e proliferação do conhecimento matemático a todas as pessoas, mas também como um projeto que visa conceber pessoas com novos objetivos pautados na solidariedade e na emancipação da humanidade.²

Notas
[1] Ideologia aqui apresentada no sentido marxista da palavra, isto é, de cominação através das ideias mascarando a realidade para as grandes massas sob a apresentação de “meias-verdades”.

[2] Pretendo abordar como a educação matemática crítica pode ser trabalhada em outros artigos ou textos didáticos para qualquer um, nesse apenas quis elucidar a importância da mesma.