“A
filosofia sem a ciência é inócua,
a
ciência sem a filosofia é cega”
Imre
Lakatos
Caro camarada,
Entrei na Universidade com duas ilusões. A primeira era
que fazendo Matemática poderia perceber as melhores formas de
compreender a natureza, a sociedade e o mundo; apesar de muito ampla
é bastante insuficiente. A segunda que no ambiente universitário
encontraria um acesso claro as mais diferentes formas de cultura,
arte, debate e ideias, e mais especificamente, seria incentivado a
isso por aqueles que poderiam ser meus mentores; o ambiente
universitário é dotado de tamanha capacidade repressora, que até
as mais brilhantes mentes tendem a perder sua fertilidade e
criatividade.
Acreditava que para entender filosofia deveria cursar
filosofia, para entender economia deveria cursar economia.
Acabei por cursar Matemática.
Isso não faz o menor sentido, a noção de que a formação de uma
pessoa deva ser específica é um dos grandes freios da ciência
atualmente, e sob ele reside aquilo que entendo como a hipocrisia
acadêmica. Tal
hipocrisia reside em todo o processo educacional e de produção do
conhecimento científico. Por exemplo, a suprema maioria da academia
das ciências naturais afirma que para um avanço nas ciências
brasileiras é necessária uma transformação na base de nosso
processo de ensino, a educação infantil e básica. E muitos
educadores, dos tradicionais aos mais progressistas dão suas
explicações e ideias para essa transformação, aos tradicionais é
necessária uma forma de educação familiar mais forte, para os
progressistas uma participação do Estado mais presente. Para as
famílias é preciso que se invista mais em educação, para o Estado
que os professores se formem de forma melhor, e para o Ensino
Superior professores melhores necessitam de uma base de ensino
melhor. Essa é a hipocrisia acadêmica, é a crítica irresponsável
aonde cada qual percebe as fragilidades do campo alheio.
Não há vício maior
do que a mesma hipocrisia, pois ela induz ao universo científico tal
necessidade, e se confunde com ele, ao ponto de qualquer divergência
ser perseguida com formas punitivas. Em um ambiente que corrompe a
criatividade a
única forma de manter a produção é pela pressão, pela
perseguição e ameaça. Enquanto as diretrizes sobre extensão
universitária são vagas, as punições são severas e claras
(frequência, sistemas de
aulas, documentos e relatórios burocráticos...). A excelência
científica é confundida com a produção constante, o ócio é nada
mais que a constatação da vagabundagem. Esse
senso comum apenas é seguido por que todos o repetem, é nessa
repetição por pressão e perseguição que está a sua existência.
O senso crítico se tornou apenas parte léxica de trabalhos
acadêmicos.
Em um universo
científico corrompido pela forma acadêmica de fazer ciência, não
surpreende que senso crítico
seja apenas um espantalho linguístico. Senso crítico não é uma
mera opinião, é um ato de subversão consciente a obediência
existente, mas como existe a possibilidade do senso crítico se se
quer é do conhecimento dos acadêmicos a sua obediência a algo?
Todo processo de subversão consciente é um processo de obediência,
primeiro porque subverte uma lógica em favor de outra, a qual estão
delimitados princípios claros, isto é, convicções. Nesses
aspectos como poderia haver senso crítico se sequer sabe-se por
quais convicções está se
a trabalhar, produzir e estudar?
O cientificismo
configurado como esse processo de crença na organização científica
atual sem senso crítico é nada mais que uma das formas de religião
e dogma do ambiente acadêmico, e que favorece a compreensão da
hipocrisia que assola a produção do conhecimento humano.
Existe lugar para muita coisa na Universidade, mas tenho
enfrentado dificuldades em conseguir estudar. Seguir carreira
acadêmica em uma área como a matemática está desestimulante, não
quero ser mais um caça editais do CNPq, hoje é a única coisa que
sei sobre meu futuro.
Ah! Grande comunista Lakatos, quando percebo ao meu
redor o que mais vejo são cegos.
Abraços!
Guilherme Wagner
Florianópolis, 22 de setembro de 2014.